quinta-feira, 26 de março de 2015

Sisnando e o começo da Capoeira Regional


Muitos foram os mestres e praticantes de forma geral que através de seus esforços serviram de ponte para a capoeira ser o que é hoje. Alguns ganharam notoriedade nesse universo e se tornaram a personificação da história dessa arte. Já outros, trabalharam quase que anonimamente mas não de forma menos importante para o desenvolvimento da capoeira.

Sempre que a questão abordada é a Capoeira Regional, sem o menor esforço lembramos imediatamente de Manoel dos Reis Machado o genial Mestre Bimba. Bimba com habilidade impar fez uma série de manobras para inserir a capoeira, ou em um primeiro momento a luta regional baiana no cenário sociocultural da época.

Um personagem chave nesse processo foi José Sisnando Lima conhecido na capoeiragem pelo sobrenome de Sisnando.

Sisnando nasceu em Crato no Ceará, e em decorrência das dificuldades locais somadas ao clima difícil da região, foi o único sobrevivente de cinco irmãos. Forte por destino, aos 14 anos já era considerado o homem mais forte da sua cidade. Tinha duas coisas em mente, estudar medicina e trabalhar com agricultura.

Em suas andanças foi praticante de jiu-jitsu, e ao chegar a Bahia para estudar medicina se interessou pela capoeira que já se ouvia falar em outros cantos do Brasil. Muito procurou aquela capoeira que lhe foi relatada, onde o sujeito capoeirista enfrentava outro armado de faca e ainda levava vantagem. Não achou!

Falando de sua procura ao cozinheiro da pensão onde morava, o mesmo lhe disse que sabia o que estava procurando e o levou para conhecer um tal de Bimba, negro alto e forte que trabalhava como carvoeiro. Bimba ainda não era afamado, e a princípio relutou em ensinar capoeira a Sisnando dizendo que aquilo era coisa de preto e não de branco. Sisnando insistiu, e Bimba propôs um teste, o lendário desafio do colar de força. Sinando então submeteu seu pescoço ao apertar do braço de Bimba por três minutos... Resistiu... ai não teve jeito, Bimba teve eu lhe ensinar a capoeira.

Sisnando então passa a ser um expoente da capoeira em outras camadas sociais, principalmente a de universitários estudantes de medicina. Conjuntamente a essa maior aceitação, Bimba com a influência direta de Sisnando insere outros golpes na tradicional capoeira, cria um método de ensino, introduz a formatura, a festa do batizado, e ainda muda o nome de capoeira para Luta Regional Baiana. Tudo isso não pensando descaracterizá-la ou em transformar a capoeira em outro algo como muitos dizem, e sim para fugir dos termos da lei que proibiam a capoeira.

Em um segundo momento, Sisnando por identificação política ou geográfica passa a fazer militâncias fervorosas para o então interventor do governo da Bahia Juracy Magalhães, que também tinha as suas raízes no estado do Ceará. Em certa passagem em uma manifestação contra o interventor, Sisnando sobe em um palanque portando um punhal e coloca manifestantes avessos a Juracy para correr. Ah segundo o próprio Sisnando, o punhal foi presente de Lampião antes que ele deixa-se o Ceará.
Juracy Magalhães sabendo do empenho desse jovem manda que o localizem e daí nasce uma grande amizade. Pouco tempo depois Sisnando assessora algumas atividades do interventor e vai morar no palácio do governo.

Essa proximidade de Juracy e Sisnando abre as portas para Bimba levar a capoeira ao palácio do governo. A partir daí, a capoeira ganha autorização legal para sua prática em lugares fechados. Bimba recebe o título de Instrutor de Educação Física e ainda a autorização para o funcionamento de sua academia sob o nome de Centro de Cultura Física e Capoeira Regional.

Além disso, Sisnando também provou o seu valor como capoeira, em diversas rodas era testado por ser o homem branco de Bimba e nunca decepcionou. Em certo feito, visitou uma academia de judô e karatê na Bahia, afirmou que a capoeira era a mais eficiente das lutas e foi prontamente contrariado pelo mestre do local. Então desafiou o mestre dizendo que enfrentaria os seus 3 melhores alunos ao mesmo tempo, e que depois de derrubar o terceiro, o primeiro ainda não haveria se levantado. Dito e feito!

Sem dúvida nenhuma o lugar de destaque e a aceitação da capoeira em diversas camadas sociais se deve a habilidade, originalidade, conhecimento e liderança de Mestre Bimba. Isso é inquestionável. 

Mas não devemos nos esquecer de muitos que trabalharam arduamente para a ascensão e perpetuação da capoeira em nosso cenário sociocultural.

José Sisnando Lima é um desses, um dos mais importantes!

Como dizia Mestre Ângelo Decânio “ A Pedra Fundamental”