quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Tráfico Negreiro

Pessoal tudo bem?

Dessa vez posto no nosso blog matéria publicada a duas semanas atrás ne revista veja.  A reportagem fala das rotas do tráfico negreiro bem como faz uma revisão nos números dos escravos trazidos ao Brasil.
Vale conferir!

Foi pior do que se pensava

*Cecília Ritto

O maior banco de dados sobre o tráfico negreiro no mundo mostra que a escravidão no Brasil era ainda mais intensa e disseminada do que se aprende na escola.

Era um sonho dantesco … o tombadilho / Que das luzernas avermelha o brilho / Em sangue a se banhar / Tinir de (erros … estalar de açoite / Legiões de homens negros como a noite / Horrendos a dançar.” Alvo de intensa campanha abolicionista em seu apogeu, execrada em prosa e verso – como esses de Castro Alves, no poema Navio Negreiro – por um grupo estridente de intelectuais e políticos, a escravidão de africanos no Brasil, uma vez encerrada, acabou relegada a umas poucas páginas nos livros de história que nem de longe retratam sua real dimensão. Quem quiser se aprofundar no tema contará agora com uma ajuda poderosa: o banco de dados do Tráfico de Escravos Transatlântico, um monumental conjunto de documentos alojado no site Slavevoyages.org, com informações retiradas de registros alfandegários, declarações portuárias e diários de bordo sobre a saída e a chegada dos navios negreiros ao redor do mundo conteúdo que em algumas semanas estará disponível pela primeira vez em português. Alimentado por uma equipe internacional liderada pelo historiador americano David Eltis, da Universidade Emory, em Atlanta, o trabalho redimensionou o comércio negreiro para as Américas e compôs um minucioso perfil dos meandros dessa lucrativa atividade em seu entreposto mais efervescente, o Brasil. O vasto material expõe novas ramificações do tráfico dentro do território nacional e mostra que ele foi ainda mais intenso do que se pensava.

HORROR NO MAR

Escravos torturados na travessia do Atlântico, na gravura de Rugendas, e lista de cativos achados em navio interceptado: o destino da maioria era o Brasil, onde, segundo os novos dados, desembarcaram 4,9 milhões 1,2 milhão a mais do que se sabia

As 35 000 viagens documentadas contabilizam 1,2 milhão de escravos a mais trazidos para o país. Isso eleva a parcela do Brasil nesse comércio de seres humanos à extraordinária cifra de 4,9 milhões – quase metade do total de 10,7 milhões de homens, mulheres e crianças capturados na África e vendidos no Novo Mundo, principalmente, entre 1501 e 1866. A “carga” era despachada por rotas que até então não se sabia existir, revelando uma complexa teia de caminhos Brasil adentro – uma delas partia de Belém, passava por rios amazônicos e desembocava no Centro Oeste. O movimento de escravos também era muito mais vigoroso do que se supunha nos portos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e em Santos. Depois de 1830, quando um tratado selado com os ingleses fez do tráfico uma atividade ilegal no Brasil, o comércio de africanos continuou numeroso, mas em “pontos menos visados. Registros no banco de dados mostram que no Rio, por exemplo, eles passaram a desembarcar na então longínqua Praia de Copacabana. “A maior parte dos estudos sobre as rotas da escravidão se restringe aos três principais portos da época: em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Agora, está claro que o tráfico não era tão centralizado”, explica Manolo Florentino, um dos maiores estudiosos do assunto e diretor da Casa de Rui Barbosa, à frente da tradução do site.

PORÃO EXPOSTO

Planta do navio negreiro Vigilante, obtida quando foi capturado e levado a um porto inglês: prisioneiros amontoados e imobilizados por travas de ferro, homens nas laterais, mulheres e crianças no meio

O levantamento chegou também a um número inédito sobre a alta mortalidade nas travessias do Atlântico: foram 667 744 os escravos mortos a caminho do Brasil. As informações mais detalhadas vêm das acuradas listas – com nome, idade e procedência – de africanos libertados por barcos britânicos interceptadores de navios negreiros em pleno oceano. Os registros referentes a embarque e desembarque mostram que, nos portos africanos, subiam a bordo em média 400 escravos – uma constante do tráfico da qual não se tinha conhecimento. Amontoados no porão, os homens eram acorrentados nas laterais e as mulheres e crianças no meio. No século XIX, a escassez de água e comida e as péssimas condições de higiene resultavam na morte de no mínimo 10% dos cativos. Os registros disponíveis confirmam ainda que 70% dos escravos despachados para o Brasil vieram dos atuais Congo e Angola e revelam que, no afã de lotar os navios, alguns enganos causaram constrangimentos: a rainha de Libolo, em Angola, desembarcada em Salvador em 1654, teve de ser devolvida a sua o prejudicar a relação dos traficantes com seus fornecedores. “O estudo traça um cenário global e muito detalhado sobre o tráfico negreiro”, avalia o historiador Luiz Felipe de Alencastro, autor de O Trato dos Viventes, resultado de uma pesquisa de três décadas sobre o tema.

A força-tarefa dos maiores pesquisadores do mundo em tráfico negreiro teve ainda o mérito de cravar, pela primeira vez, o ano da última dessas viagens ao Brasil: 1856, seis anos depois da promulgação da Lei Eusébio de Queiróz, que enfim proibiu no Brasil o comércio transatlântico de escravos – um pujante negócio iniciado aqui em 1560 e que, em pouco tempo, abarcaria 40% do comércio internacional. Durante três séculos, o Brasil foi um país movido a escravos e totalmente dependente deles, “Éramos uma sociedade escravista no sentido mais amplo. Ter escravos era natural. Foi necessária uma transformação no pensamento da época para que o tráfico passasse a ser considerado inadmissível”, diz o historiador Alexandre Ribeiro, professor da Universidade Federal Fluminense. Ainda neste ano, a versão em português do site Slavevoyages será incorporada a um novo arquivo na internet, Escravidão e Pós-Abolição: Memória e Acervos, iniciativa da Casa de Rui Barbosa, que acrescentará ao conjunto a vasta documentação sobre o tema do grande jurista, um abolicionista ferrenho para quem a escravidão era “a mutilação da liberdade do branco”.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O berimbau


Hoje é assim!
Quem comanda o ritual na roda de Capoeira é o Berimbau, instrumento milenar formado pela cabaça um arame de aço e uma verga de madeira.
Como diz a cantiga: “O que é Berimbau? A cabaça um arame um pedeço de Pau!
O berimbau é tido por nós brasileiros como a simbolização da capoeira, se vemos alguém carregando um berimbau logo pensamos, lá vai o capoeira. Assim como quando escutamos o tim tim tim tom tom percutido pela baqueta do tocador sobre o arame do berimbau associamos imediatamente, é capoeira. Além disso provavelmente a figura do berimbau é o souvenir mais vendido a turistas que vão a Bahia, seja em forma de imã de geladeira, chaveiro ou qualquer outro penduricalho.
Mas nem sempre foi assim, nem sempre o berimbau esteve associado a Capoeira, nem sempre berimbau foi a cabaça um arame e um pedaço de pau e nem sempre a cabaça um arame e um pedaço de pau foi chamado de berimbau.
Existem algumas lendas africanas que dão conta do surgimento do Berimbau, destaco em síntese duas delas pelo misticismo e pela beleza dos contos.
 A primeira lenda trata de uma menina radiante dona de uma voz encantadora que se faz adorar por todos que a conhecem. Certa vez a moça recebe a incumbência de buscar água no riacho. Assim que chega ao local e se abaixa para encher os potes com água recebe uma forte pancada por trás morrendo ali mesmo. Certos da falta que a menina faria principalmente por sua voz encantadora, os Deuses transformam seu corpo em uma verga de madeira, os membros em uma corda e a cabeça em uma cabaça. Daí surge o Berimbau.
A Lenda de Hungu também é uma lenda popular africana carregada de misticismo. O conto narra a história de uma tribo que se desloca de seu lugar de origem em busca de água devido a secagem do rio local. No caminho uma mulher integrante da tribo que carregava um menino no colo caiu esgotada pelos percalços do trajeto. Como de costume a época ela foi deixada para trás pela tribo, e seu filho arrancado de seus braços, levado adiante na jornada junto aos outros integrantes. Essa mulher chorou tanto a falta de seu filho que o rio voltou a encher rapidamente; Suas duas últimas lagrimas viraram peixes que percorreram o rio e chegaram até seu filho para servi-lo de alimento. Assim, o menino conseguiu se desvincilhar dos seus pares tribais e voltar léguas mata a dentro para resgatar a mãe. Quando o garoto chega ao local encontra a mãe já desfalecida, os integrantes da tribo que seguiram o menino dão por matar a mulher com uma paulada na cabeça, e assim o fizeram. O menino cresce, se afasta da tribo e segue sua vida, mas já idoso resolve voltar ao local onde tudo aconteceu. Lá encontra o crânio da mãe, a suas vestes em fiapos, os brincos e o pedaço de pau usado para matá-la. Intuitivamente o homem fixa o crânio da mãe ao pedaço de madeira, usa os fios de suas vestes para fazer um cordão e liga-lo as duas extremidades do pedaço de madeira, e com o brinco em contato com cordão produz sons, que de imediato o homem identifica como as vozes da sua mãe, lhe dando forças para seguir em seu caminho. Surge ai o Hungu instrumento musical considerado de cura em algumas religiões africanas.
Deixando as lendas de lado, a provável história do berimbau começa entre 15.000 e 20.000 anos A.C com o princípio do arco musical. Pinturas rupestres dessa época encontradas em cavernas no sudeste da França, mostram a utilização do arco musical.  Acredita-se que arcos utilizados em um primeiro momento como arma para lançar flechas passou a servir de instrumento musical. Ainda mais rudimentar que o já simples berimbau de hoje, esses arcos eram percutidos com pedaços de pau ao qual damos o nome de baquetas hoje, e a caixa de ressonância era própria boca do tocador.
O arco musical foi e ainda é encontrado em diferentes tamanhos, formatos e configurações. Arcos mais angulados, com divisões em seu próprio arco, e até grandes galhos ainda presos a arvores tendo grandes buracos no chão que serviriam como caixa de ressonância foram relatados. Vale lembrar que esse princípio simples que deu origem ao berimbau influenciou a criação de diversos instrumentos musicais, entre eles a Harpa, o Alaúde e a Citara Indiana.











Na Capoeira o berimbau não se faz presente em um primeiro momento. A escassez de documentos da época dificultam em precisar quando e como exatamente o Berimbau passou a fazer parte da Capoeira. Acredito que a introdução desse instrumento tenha se dado na segunda metade do século XIX com o processo de ritualização da capoeira que se deu principalmente se não exclusivamente na Bahia, já que os outros grandes centros onde a capoeira era evidente, leia-se Rio de Janeiro e Pernambuco, tinham a capoeira em um outro contexto.
Embora os folguedos musicados com a presença de instrumentos fossem comuns a época, e generalizados ao nome de Batuque pelos brancos, a pouquíssima documentação que temos não mostra o Berimbau integrando a capoeira em um primeiro momento, exemplo disso são essas duas telas da década de trinta do século XIX retratadas pelo alemão Johann Moritz Rugendas. Nelas não notamos a presença do Berimbau e sim de um tambor que o tocador fica sentado em cima.




































Trazidos pelos negros escravizados no Brasil o berimbau antes de ser conhecido exclusivamente por esse nome tinha vários outros como; Rucumbo, Aricongo, Urucungo, Oricungo, Mutungo, Macungo, Gunga. Em algumas religiões africanas era conhecido como Hungu (como abordamos na lenda acima). Já em Moçambique é chamado de Xitende enquanto que em Angola de onde veio a grande maioria dos negros escravizados para o Brasil era chamado de M´bolumbumba.

As hipóteses para o nome Berimbau vem de M´birimbau termo vindo do quimbundo ou ainda, Bilimbano palavra de origem mandinga. Há quem diga ainda que o termo Berimbau é de origem Ibérica, que no dicionário real da academia espanhola é definido como pequeno instrumento de arame ou madeira com uma lâmina fixa fina ao meio.
Quanto a introdução do Berimbau na Capoeira, uma das hipóteses tratam os escravos mercadores como protagonistas desse acontecimento. Segundo alguns registros, essa categoria de escravos faziam o trabalho de vendedores ambulantes para os seus senhores e usavam o Berimbau juntamente com o anuncio de seus produtos. Alguma coisa do tipo: “Olha a Carne”, “Farinha” somando-se ao som do berimbau de fundo.


A questão é que quando esses escravos faziam o agito para venda de seus produtos em locais com grande concentração de pessoas, enormes rodas se formavam não só pelos produtos mas pela simples curiosidade em saber o que estava acontecendo ali. O som do berimbau capitava a atenção das pessoas. Daí, essa polarização causada pelo berimbau na atuação dos escravos mercadores transporta-se para capoeira.
Essa é uma das hipóteses parar a introdução do berimbau na capoeira, eu particularmente acredito que essa introdução se deu gradualmente ao longo do tempo. Pode até ser que escravos mercadores tenham favorecido essa introdução. A questão é que os negros escravizados no Brasil, principalmente os de origem angolana eram dados a folguedos e brincadeiras ritmadas, e diversas dessas manifestações eram musicadas por sons de palmas e vários outros instrumentos, algo do tipo, o que está a mão para ser tocado nesse momento. Dentro desse contexto, diversos instrumentos musicais aparecem nesses folguedos popularizados pelos negros como a viola, pandeiro, tambores diversos, e o berimbau.
O inglês radicado no Brasil Henry Koster que viria a se tornar senhor de engenho, cita pelos idos 1836 o berimbau e outros instrumentos em folguedos populares praticados pelos negros:
“Os negros livres também dançavam, mas se limitavam a pedir licença e sua festa decorria diante de uma das suas choupanas. As danças lembravam as dos negros africanos. O círculo se fechava e o tocador de viola sentava-se num dos cantos, e começava uma simples toada, acompanhada por algumas canções favoritas, repetindo o refrão, e frequentemente um dos versos era improvisado e continha alusões obscenas. Um homem ia para o centro da roda e dançava minutos, tomando atitudes lascivas, até que escolhia uma mulher, que avançava, repetindo os meneios não menos indecentes, e esse divertimento durava, às vezes, até o amanhecer. Os escravos igualmente pediam permissão para suas danças. Os instrumentos musicais eram extremamente rudes. Um deles é uma espécie de tambor, formado de uma pele de carneiro, estendida sobre um tronco oco de árvore. O outro é um grande arco, com uma corda tendo uma meia quenga de coco no meio, ou uma pequena cabaça amarrada. Colocam-na contra o abdômen e tocam a corda com o dedo ou com um pedacinho de pau. Quando dois dias santos se sucediam ininterruptamente, os escravos continuavam a algazarra até a madrugada.”
Outra hipótese comumente citada para introdução do Berimbau na Capoeira, é sempre que havia “vadiação”, desafios, ou qualquer outra atividade ligada a capoeira, uma pessoa destacada do grupo ficava despretensiosamente tocando um Berimbau. Quando essa avistava a polícia ou qualquer outra ameaça, fazia um toque especifico para alertar os companheiros. Conhecemos esse toque hoje por nome de cavalaria, uma analogia a cavalaria de polícia, mas já ouvi antigos mestres chamando esse toque de “aviso”.
Gosto desta passagem, pois não acredito que durante a época da grande repressão a capoeira, que se deu principalmente de 1889 até os anos de 1930, qualquer praticante independente do contexto faria alarde para ser identificado. A capoeira na época era crime com pena de 2 a 6 meses de cadeia com incrementos em pena dobrada para líderes de bandos ou maltas.
Assim, acredito que diversos foram os fatores ao longo da história que tornaram o berimbau o principal instrumento na roda de capoeira e não um caso isolado.Sem dúvida outras passagens, hipóteses e fatos históricos devem ser considerados a respeito da introdução do berimbau na capoeira. Acredito que quão maior forem essas contribuições, em diversidade e aprofundamento, chegaremos ao um denominador mais refinado em torno de nossas raízes históricas.
Hoje no Brasil, o berimbau deixou de ser um instrumento exclusivamente pertencente a capoeira, outros segmentos de nossa cultura, vêm se apropriando do berimbau de diferentes maneiras. O campo música popular brasileira tem explorado já há algum tempo o berimbau em arranjos musicais.
Desde a década de 70, Naná Vasconcelos um dos percussionistas de maior renome do nosso país, tem usado o berimbau em suas apresentações. Dentre vários percussionistas que se apropriam do berimbau em suas performances, destaco Dinho Nascimento, que ganhou notoriedade com o Berimbau Blues, envenenando o berimbau com arranjos pra lá de exóticos e tirando uma levada de blues autêntica desse simples instrumento.

Termino por aqui o primeiro post desse blog, que espero que tenha uma levada próspera!
Abraço a todos!

P.S Ainda não sei muito bem como utilizar da melhor forma as ferramentas do blogger. Prometo que me esforçarei para melhorar!